quarta-feira, 7 de outubro de 2009

[ Meu Doce Demônio ] Introdução

PRÓXIMO

- Introdução -


Lembrarei sempre do dia que meus pais me internaram naquele hospital, em minha visão infantil, tão grande e assustador. Eu havia sido internada em função de minha asma, que parecia piorar cada vez mais, gerando crises respiratórias cada vez mais freqüentes. Tinha apenas cinco anos, mal sabia escrever meu nome direito. Sakura, esse é meu nome.

Fiquei internada por cerca de dois meses, em observação. Todos os dias marcados pela neve branquinha que cobria quase todas as ruas e o canto insistente dos pássaros nas manhãs. Insistia em olhar pela janela do hospital sempre que podia, e sempre que me aproximava desta eu podia ver ao longe um grupo de crianças que brincava de guerra de neve, enquanto eu estava ali, com apenas cinco anos, obrigada a viver cercada de aparelhos que me ajudassem a respirar.

Um dia, a neve parecia cair violentamente do céu, formando uma tempestade assustadora. Neste dia, lembro que fui receosa até a janela, com medo do que encontraria. Tinha razão de estar com medo. Não havia somente uma tempestade de neve lá fora. Ao longe, pude ver um vulto negro, um homem, de pele muito pálida, e olhos estranhamente rubros, como sangue, que me encarava continuamente. Essa fora a primeira vez que o vi.

...


Felizmente, minha doença foi melhorando ao longo do tempo, e pude sair do hospital, ainda com sete anos. A primeira coisa que planejei fazer foi brincar com a neve, assim como as demais crianças faziam, mas ainda não podia me esforçar muito.

Mesmo hoje, com dezesseis anos eu ainda tenho a saúde debilitada, apesar de não estar tanto quanto antes, ainda não posso brincar com a neve.

Minhas amizades sempre foram escassas, e eu nunca fiz muita questão de tentar fazer mais amigos. A maioria das pessoas evita pessoas debilitadas, que possam atrapalhar seu desempenho ou sua diversão. Não que eu desvalorize as poucas amizades que ainda tenho, mas me sinto bem ao andar sozinha, para refletir, como agora. Bem, não estou totalmente sozinha, levando em consideração que meu pequeno Spitz japonês, o Momo, está aqui comigo. Apesar de não poder, meus pais deixaram que eu tivesse um cachorro de estimação com a condição de não ficar constantemente em contato com ele.

Nossas caminhadas juntos sempre demoravam algum tempo, já que eu sempre acabava devaneando por tempo demais e andávamos até longas distâncias. Era sempre desperta de meus devaneios quando ouvia um chorinho baixo, implorando por colo. Sim, meu Momo sempre fora bem manhoso.

Por enquanto, estávamos bem, ambos acordamos dispostos a andar. Era outono, estava frio, mas o sol da manhã dava uma sensação muito agradável ao passeio.

Enquanto devaneava, senti-me subitamente sendo puxada, e quando vi, Momo tentava a todo custo correr para longe. Olhava para frente amedrontado, dando indícios de choro, parecia até mesmo que estava querendo fugir de algo. Olhei, então, na mesma direção que ele. Lá estava o hospital em que passei um bom tempo quando criança. Agora estava abandonado, não lembro bem o porquê.

Vasculhei com os olhos algo nas redondezas que pudesse fazer o Momo agir daquela forma estranha. Nada. Voltei a olhar em direção do hospital e meus olhos foram atraídos por uma estranha movimentação lá de dentro. Tentei visualizar melhor o que havia ali, e me assustei ao ver um par de olhos escarlates me encararem.

Paralisei por um instante. Eram os mesmos olhos daquele que eu vi quando criança. Fiquei com um súbito pânico, era como se aquilo fosse me atacar a qualquer momento. Tinha que fugir.

Agachei-me, peguei o Momo no colo e me virei na intenção de sair dali o mais rápido possível. Minha asma estava voltando, comecei a passar mal antes mesmo de atingir alguma distância do local.

Um segundo. Isso foi o suficiente para que algo enorme caísse em minha frente, algo que se mexia e rugia baixo. Novamente parei onde estava e visualizei o monstro à minha frente. Era totalmente fora do comum, nem sequer chegava a parecer com um de filme de terror, de tão desconfigurado que era, era muito pior.

Estava ofegante. Meus pulmões pareciam que iam estourar a qualquer instante. O monstro se moveu e pude ver seus olhos de um amarelo intenso. Não eram os mesmos olhos que havia acabado de ver. Ele se aproximava aos poucos, mostrando-se faminto.

No momento que pisquei os olhos, o vi partir para cima de mim. Arregalei os olhos, imóvel, e novamente, um segundo foi o tempo necessário para que outro vulto pousasse na minha frente. Senti um líquido em meu rosto e visualizei o chão. Era sangue, muito sangue. Será que tinha sido atacada? Mas não sentia dor!

Olhei melhor em volta. Lá estava o monstro, morto; parte de seu corpo para um lado, e a outra nas mãos de um homem alto e de roupas escuras, que segurava uma katana (espada) embebida em sangue, assim como suas mãos e parte de seu rosto. Ele estava de frente para mim, mas com a cabeça baixa, não pude ver seus olhos.

Vi-o jogar o cadáver do monstro para o lado, fazendo com que ambas as partes pegassem fogo em seguida. Aos poucos ele levantava o rosto, só então pude ver seus olhos. Escarlates, de um vermelho muito vivo, essa era a cor de seus olhos, que, por incrível que pareça me passaram um pouco de tranqüilidade.

- Vá embora – ouvi-o dizer, com a voz baixa e rouca, ao mesmo tempo petulante e amedrontadora.

Não obedeci de imediato, ainda estava absorta aos recentes acontecimentos. Ele me encarou avidamente, sem sequer piscar, como se buscasse nos meus olhos algum medo. Minha respiração ainda estava descompassada, não conseguiria sair dali tão facilmente. Ia ter uma crise em alguns minutos.

- Vá embora – repetiu grave.

Tentei me virar para ir embora, mas senti uma dor forte no tórax, senti tudo ao meu redor girar e desmaiei. A última coisa que vi, foi o Momo desvencilhando-se dos meus braços e correndo afoito para longe, na direção da minha casa.

...


À medida que recobrava a consciência, eu sentia meu corpo quase que completamente dormente. Sentia estar sendo segurada por alguém e sentia meus lábios serem pressionados por algo macio e gelado, com um gosto metálico. Não estava tão desconfortável, a dor havia cessado.

Abri os olhos lentamente, ao passo que ia me acostumando com a luz, ia conseguindo distinguir o que havia ao meu redor. E quando consegui enxergar tudo por completo, tal foi o meu espanto ao ver o mesmo homem que matara o monstro com seus lábios colados aos meus. Assim como senti meu rosto ferver de vergonha, senti medo pelo que poderia ter acontecido ali.

O empurrei desajeitadamente, e com a pouca força que tinha. Ele se separou de mim e abriu os olhos vagarosamente, expondo seus olhos escarlates novamente, ambos tão profundos e tão frios, que puderam até mesmo me fazer entrar em pânico e encher meus olhos de lágrimas em questão de segundos.

- Por... por – não conseguia parar de gaguejar – Por favor... nã... não me m-machuque – segurava o soluço o máximo que podia.

Ele sequer mudou sua expressão, continuou a me olhar com a mesma frieza. Pensei em tentar me levantar, mas senti que ele pousou uma de suas mãos sobre meu tórax. Tentei recuar, mas ele não deixou que eu fugisse. Senti um calor estanho na região em que ele apoiara a mão, minha respiração se tornou mais ritmada e a dormência passava aos poucos.

Sem dizer mais nada, ele me levantou, deixando-me recostada em uma parede gélida. Levantou-se, e saiu em direção do hospital abandonado novamente.

Eu não tinha idéia do que fazer. Esperei que ele desaparecesse da minha vista, e fui me levantando também, indo em direção de casa, a passos largos.

Estava aturdida, tanta coisa aconteceu, e eu sequer entendi o que era aquilo. No meio do caminho de casa, encontrei meus pais e minhas duas amigas mais próximas preocupados, me procurando. Acenei, tentando chamar-lhes a atenção, sem sucesso. Comecei a correr na direção deles, já prevendo minha falta de ar momentânea.

- Sakura! – minha mãe me viu, e saiu apressadamente em minha direção, com o Momo correndo ao seu lado – Você está bem? O que aconteceu? O Momo voltou sozinho e ficou tão agitado que achamos ser algo que havia te ocorrido.

- Eu estou bem. Não aconteceu nada de mais – conclui, tentando não alarmá-la, o que consegui perfeitamente, já que não estava ofegante como imaginava que estaria.

- Que bom! – ela me abraçou. Minhas amigas e meu pai já estavam ali também, preocupados, e me enchendo de perguntas.

Aquele dia nunca mais será esquecido, com certeza.

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